terça-feira, 1 de maio de 2012

A grama do vizinho...


Era muito simples julgar aquela mulher sentada à mesa de um bar. Era quase inevitável pensar "mas que pobre coitada, deve ser uma fracassada, ou foi traída pelo marido" até eu a julguei. Como não? Sentada ali, com os cabelos emaranhados, aparentando ter bebido mais do que se podia contar e sempre pedindo mais. Eu me perguntava como era possível o garçon continuar servindo-na. Afinal, que bêbado paga as contas? E aquela ali parecia um caso sem fim. Mas eu resolvi parar de olhar tão superficialmente, ela começou a parecer muito intrigante, muito interessante, misteriosa, impossível de desvendar. Eu queria saber o que tava acontecendo, quem ela era, de onde vinha. Me parecia uma aventura incrível ao redor do mundo. Do mundo dela, mas ainda assim um mundo.

Fui até o garçon que lhe estava atendendo e perguntei-lhe quem era a tal mulher. Ele me disse que não sabia ao certo, mas que toda sexta-feira ela ia ao bar, bebia tanto que ele às vezes perdia a conta, e acordava sempre jogada na frente do bar. Mas como ela sempre pagava pela bebida, ele não se importava com quem ela era. E afastou-se. Foi uma resposta insatisfatória, tenho que dizer. Mas já era alguma coisa. Dava pra perceber que ela tinha um costume, que seguia uma rotina. Apesar de ter ficado frustrada com o fato de homem dizer que desde que ela pagasse não se importava, eu deixei isso de lado. Mas convenhamos, como é que uma pessoa frequenta o seu bar com certa regularidade, parece estar à beira da morte e você nunca parou pra perguntar o seu nome? Isso não era sadio. Era quase desumano. Ou será que era eu que me importava demais com as pessoas? Não vem ao caso.

Fui até a mulher, me apresentei e perguntei se podia me sentar. Ela balançou a cabeça positivamente, então eu me sentei. Comecei a beber com a mulher e perguntar como quem não quer nada sobre a vida dela. O diálogo inicial foi mais ou menos assim:
- Hoje parece um dia muito bom pra estar dentro de um bar se embebedando, não acha?
- Você está aqui, por que eu não estaria?
- Bom, você é uma mulher bela - acredite que foi muito difícil dizer isso - e, usando a minha sinceridade, você está com um ar de que o mundo tá acabando. Quer compartilhar a sua angústia?
- Você não iria querer saber.
- Estou perguntando, não estou?
- Tudo bem.

Bom, aí ela começou a falar tudo, mas não antes de me fazer prometer jamais contar à ninguém senão ela me mataria. E não era só modo de falar. Sinceramente, até agora eu não entendo muito bem uma parte da história e tem uma outra parte da qual não me lembro, mas acho que fiz algumas anotações mentais do que ela falou. Parece que uma filha dela tinha sido sequestrada em alguma época, eu não sei quanto tempo fazia. Mas por alguma razão que eu também não me lembro bem, trocaram a filha dela por ela. Bom, ela ficou em cativeiro durante um bom tempo, se eu me lembro bem, alguns meses. Ela disse que foi tratada como bicho, foi violentada de todas as formas. Ela nem via a luz do dia. Ela me disse que no início ela gritava, chorava, mas que depois apenas rezava, implorava, e não deixava a esperança de lado. Uns dois meses foram assim, mas ela foi perdendo as esperanças, se tornando fria. Sua esperança começou a ser o fim, a morte. Ela conversava com a morte como se fossem amigas. Perguntava porque a Morte a deixava esperando. Afinal se a morte era sua amiga, por que não a socorria? Por que não a tirava dessa dor toda?

Infelizmente, depois de um tempo até a Morte, sua amiga, se foi. A deixando ainda mais sem esperança, mais sem rumo, mais desolada. Ela nunca tinha pensado em procurar uma forma de sair de lá. Então pois a cabeça pra pensar. Infelizmente, eu não lembro dessa parte da história, mas no final das contas ela arrumou um jeito de sair. Mas pra realmente ficar livre, ela matou o sequestrador... Ela disse que nunca o vira sem máscara, mas que quando o matou fez questão de ver. Ela logo reconheceu o homem, era um velho amigo seu, de quando ela tinha uns 7 anos. A mulher começou a se lembrar de que ele sempre gostara dela mas ela nunca lhe dera uma chance... Ela quase entendeu a dor dele. Mas nada explicava e eles eram tão amigos naquela época, doía saber que teve que matá-lo.

A moça enlouqueceu nessa época, não foi incriminada, afinal, legítima defesa. Mas foi internada numa clínica. Ela se tornou completamente histérica. Mas com o tempo e as medicações, os sintomas diminuíram, ela já não via mais coisas irreais, não ouvia vozes, não se debatia e não gritava. Então foi liberada.

Desde que saíra da clínica, bebia neste mesmo bar às sextas-feiras. Era um bar próximo à antiga casa dele. Aposto que está se perguntando por que ela bebia tanto. Essa é a parte que mais me chocou e que ainda não sou capaz de entender de fato. Chego à muitas conclusões sempre que penso à respeito, nenhuma boa o suficiente, ou sequer convincente. Mas ela bebia porque quando bebia as memórias da época de cativeiro se tornavam mais vivas, e ela se sentia mais perto do antigo amigo. Ela já tinha tentado se matar, só pra tentar ficar perto dele. Confesso que a história me chocou.  Eu lembrava dela de tempos em tempos e me perguntava o que aconteceu com aquela mulher. Infelizmente, não sabia como ajudá-la. Mas duvidava muito que as coisas estivessem melhores.

Mas a vida é assim, a grama do seu vizinho pode até ser mais verde e mais reluzente que a sua, mas você não sabe os cadáveres que ela está cobrindo.

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