Eu nunca fui bom com as palavras, sabe? Eu confundia significados, não sabia usar nas horas certas. Mas eu também nunca vi necessidade. Meus amigos me entendiam e eu entendia eles. Eu vivia da linguagem dos games e do futebol, era tudo o que eu precisava. Claro que eu me esforçava pra entender as garotas, mas só o suficiente pra dar uns pegas. A maioria é fácil demais, eu só precisava elogiar suas pernas, dizer como elas eram magras, falar da sua bunda e pronto, elas nem faziam questão da ligação do dia seguinte. Dá pra acreditar? De graça!
Até que um dia eu comecei a sentir uma dificuldade muito grande com isso. Tinha uma garota e bem... Ela não era como as outras. Eu sei que isso é clichê, mas ela era diferente. Eu falei o quanto ela era bonita e ela se ofendeu. Tentei falar de como ela era magra, tinha pernas bonitas e ela se ofendeu ainda mais. Nada do que eu falava sobre ela parecia lhe agradar. Eu juro que falei de tudo o que eu poderia falar e nada. Eu desisti. Ela era muito difícil, então eu joguei ela pra lista de amigos. Nós saíamos, passavamos o intervalo juntos, nos divertíamos e eu comecei a perceber outras coisas nela que eram ainda mais encantadoras do que peito, bunda, pernas e um rosto bonito. Eu poderia falar sobre isso durante dias e você nunca entenderia como ela é bela. O sorriso, ela tinha um sorriso maravilhoso. Na verdade, ela tinha vários sorrisos. Aquele sorriso que antecedia sua gargalhada, o sorriso que ela dava quando tava tentando não rir, o sorriso sarcástico e o sorriso que ela dava olhando pro chão porque estava envergonhada. Eram mil sorrisos, mil olhares e a cada novo sorriso e novo olhar, eu me surpreendia pois nunca imaginei que uma só garota pudesse ser tão fantástica.
Um dia elogiei o seu sorriso e o seu olhar, falei de como eu achava lindo como ela colocava o cabelo pra trás da orelha, falei de como era visível a insegurança dela quando ela desviava o olhar, como era engraçado o jeito que ela brincava com crianças, falei de como era fofo as caretinhas que ela fazia ou quando ela brincava de ficar com raiva. O jeito que ela imitava os personagens de desenhos e filmes, como ela tentava mudar a voz mas nunca dava muito certo. Eu percebi que eu amava todos esses detalhes. E eu disse isso a ela. Por alguns minutos ela ficou calada. Ela não disse uma palavra e eu juro que nunca a tinha visto assim. Uma nova face, um novo encanto. Ela parecia surpresa. Acho que até eu me surpreendi. Logo eu que nunca fui bom com as palavras, tornei-me poeta. Tornei-me poeta como todos os outros milhões de poetas, pelo mesmo motivoque milhares de poetas. Eu encontrei um anjo e ao mesmo tempo o amor me encontrou. Ambos sorriram para mim. Tornei-me poeta pois me apaixonei. Então as palavras fluíam tão facilmente como a minha respiração. Eram só os sentimentos que não cabiam em mim vazando. Saindo de mim, tentando chegar nela. E os dela, que sem querer, desajeitadamente, chegavam a mim.
(Depoimento de um garoto, como tantos outros, que se apaixonou.)